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Festival Varilux de Cinema Francês 2013, parte 4

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Festival Varilux de Cinema Francês

Despeço-me do Festival Varilux com mais 4 resenhas, totalizando 14 filmes. Faltou neste espaço só Pedalando com Molière, a que devo assistir em outra ocasião. Espero que tenham gostado e em 2014 tem mais.

11) Aconteceu em Saint-Tropez (Des gens qui s’embrassent, 2013). Direção de Danièle Thompson. Roteiro de Daniéle Thompson e Christopher Thompson. Estrelando Eric Elmosnino, Lou de Laâge, Kad Merad, Clara Ponsot, Max Boubil e Monica Bellucci.

Des gens qui s'embrassent

Danièle Thompson é uma proeminente e experiente roteirista próxima de completar meio século de carreira e, com menos frequência, diretora, tendo me cativado recentemente com o belo Um Lugar na Plateia. Surpreendeu-me negativamente, portanto, que Aconteceu em Saint-Tropeza cometa tantos equívocos imaturos e óbvios que nem parece ter saído das mesmas mãos que escreveram A Rainha Margot ou o indicado ao Oscar Primo, Prima.

Aqui ela revê as conturbadas relações familiares abordadas nesse filme, porém agora envolvendo os irmãos Zef (Eric Elmosnino), um músico judeu que tenta obedecer a todos os dogmas religiosos, e Roni (Kad Merad), um rico e bon vivant empresário do setor de diamantes. Não haveria como eles serem mais diferentes, aspecto realçado no óbvio figurino – Zef, pessimista, veste preto; já Roni, otimista, um imaculado branco -, nas esposas escolhidas – Irène (Valérie Bonneton, aqui interpretando dois papéis, em uma decisão inteligente e econômica), que embora não seja bela quanto a fútil italiana Giovanna (Monica Bellucci), é mais equilibrada e culta – e, claro, nas filhas únicas de cada – a inconstante Noga (Lou de Laâge, linda) e a patricinha Melita (Clara Ponsot, ainda mais bonita que as outras). Reunidos não somente para celebrar o casamento de Melita como também para velar a morte de Irène,  a primeira de uma sucessão de coincidências, os familiares aproximam-se e se afastam como normalmente acontece nos filmes, até encontrar uma solução afetiva e amorosa para os problemas de todos.

Apostando que nos contentaremos com o desfecho agradável, mas debatível, a ponto de ignorar os tropeços da narrativa, Danièle Thompson equivoca-se cedo na paixão à primeira vista entre a enlutada Noga e um misterioso passageiro no trem, cuja identidade será óbvia sobretudo para quem ama intrigas, assim como nas coincidências, reencontros, interrupções previsíveis e más decisões que permitem apontar a superficialidade nas declarações de amor que os familiares fazem uns para os outros. Aliás, é no mínimo curioso que seja a parte rica da família a primeira disposta a perdoar, virar o rosto e aceitar as mágoas acumulados da parte artística e religiosa, e por que não mau-caráter. Indagações morais de lado, salva-se só o vovô Aron (Ivry Gitlis), acometido de mal de Alzheimer, que lhe concede tanto os momentos mais divertidos da narrativa quanto outros de singular doçura, decorrentes dos curtos lapsos de memória preenchidos com verdadeira afetividade e honestidade.

Ponto baixo em meio a uma bela carreira, Aconteceu em Saint-Tropez é falso, declarando-se enquanto apunhala o amado pelas costas, e conveniente, pois de forma alguma ter o mesmo sangue é o suficiente para uma reconciliação verdadeira. Com isso, nivela por baixo o espectador intelectual e emocionalmente.

12) Os Sabores do Palácio (Les saveurs du Palais, 2012). Direção Christian Vincent. Roteiro de Christina Vincent e Etienner Comar baseado na história de Danièle Mazet-Delpeuch. Estrelando Catherine Frot, Arthur Dupont, Jean D’Ormesson, Hippolyte Girardot, Jean-Marc Roulot, Phillipe Uchan, Laurent Poitrenaux, Hervé Pierre e Brice Fournier.

Les Saveurs du Palais

O encontro inicial com Hortense Laborie, livremente inspirada em Danièle Mazet-Delpeuch, que foi a cozinheira particular do ex-presidente François Miterrand, não é animador. Absorta na artística preparação do seu último banquete na longínqua Antártida, a cozinheira, avessa ao título de chef, esforça-se em driblar uma insistente documentarista, que tenta confirmar os rumores contados a respeito do período em que trabalhou no Palácio do Eliseu, a sede do governo francês. Mas como não há desculpa para um flashback no cinema, logo retrocedemos uns anos para reencontrar Hortense, prestes a ser convencida (ou “convencida”) a criar pratos da vovó,  por assim dizer, para o presidente, trama simples deste Os Sabores do Palácio.

Dirigido e co-escrito por Christian Vincent, o filme faz um bom trabalho, que alguns poderão achar irônico, em escancarar o machismo na cozinha do palácio através do olhar de menosprezo do chef Pascal (Brice Fournier) e dos cochichos zombeteiros de sua equipe. Mas a adversidade, como dirá o Presidente interpretado por Jean d’Ormersson, na sua estreia como ator de cinema aos 87 anos, é um estimulante para levantar todos os dias e, desobediente, opiniosa e com atitude, Hortense conquista o seu espaço a despeito da gigantesca burocracia em preparar uma sopa, quiça um prato mais elaborado.

Para quem estava habituada a escolher pessoalmente os ingredientes e cozinhar sem pressão, os costumes do Palácio irritariam a mais bondosa alma: o protocolo de conduta, a hierarquia e prestação de contas, a tortuosa aquisição de alimentos, a aprovação do cardápio e a difícil interação com o chef Pascal são os empecilhos que Hortense deverá superar até aproximar-se do Presidente, algo que a mise en scène registra perfeitamente ao posicioná-los em cantos opostos no quadro bastante aberto para, aos poucos, utilizar quadros mais fechados e, enfim, closes. E ela merece todo o carinho, pois a atenção dispensada aos detalhes (os pratos dão água na boca) e o cuidado com o “feedback” presidencial, ou seja, a análise do que ele deixou intocado no prato, fazem dela uma peça inestimável, ao menos para quem aprecia uma boa refeição.

Sendo assim, deve-se louvar o bom trabalho do diretor Christian Vincent que, embora um tanto óbvio às vezes, respeita o espectador em não demarcar as idas e vindas no tempo, deixando-nos digerir a irônica frieza calorosa da Antártida oposta à secura pontualmente acolhedora do Palácio. As atuações também merecem destaque, e Arthur Dupont afasta a má impressão deixada em Além do Arco-Íris na figura do ajudante/aprendiz Nicolas, cujo preconceito velado sofrido pelos demais é motivado não só pela aliança escolhida. Por sua vez, Jean d’Ormersson revela-se um personagem sábio, bondoso e humilde, enquanto Jean-Marc Roulot o homem de confiança de Hortense.

Sendo ela a alma do projeto, nada mais natural que Catherine Frot destaque-se, compondo uma mulher orgulhosa e sagaz, fazendo-se de vítima somente quando imperioso, além de firme, indo de encontro a Pascal, sem contudo encaminhar a narrativa a um manifesto feminista. Afinal, Os Sabores do Palácio é uma biografia simples e saciadora, igual as receitas da vovó sempre acompanhadas por uma sobremesa agridoce.

13) Prenda-me (Arrêtez-moi, 2013). Direção e roteiro de Jean-Paul Lilenfeld baseado no livro de Jean Teulé. Estrelando Sophie Marceau, Miou-Miou, Marc Barbé e Yann Ebonge.

Arrêtez-moi

“Eu sou culpada, prenda-me!”, confessa a abatida personagem interpretada pela bondgirl Sophie Marceau à Pontoise (Miou-Miou; sim, eu sorrio com o nome artístico), a desafortunada plantonista de uma delegacia qualquer parisiense. O crime: o assassinato do violento marido Jimmy (Marc Barbé), tomado como suicídio pela polícia e às vésperas de completar 10 anos, o que causará a sua prescrição. Disputando um cabo de guerra ideológico em que não se discute a autoria do crime, mas a sua antijuridicidade, materializada através da insistência de Pontoise em convencer a assassina confessa a desistir de se entregar à prisão, a narrativa dirigida e escrita por Jean-Paul Lilenfeld a partir do livro de Jean Teulé, cuja tradução seria As Leis da Gravidade, põe em discussão aspectos atemporais sobre justiça, pena e culpa.

Raríssimo caso de um filme que desgostei que me suscitou questionamentos relevantes, a narrativa, conduzida de maneira desastrada e inverossímil, põe na mesa o que é e para quê serve a tal Justiça e consequentemente a importância (ou não) da Pena, que para a grande maioria resume-se na prisão. É justo que, após anos de abusos físicos, morais, sexuais e psicológicos, um grito de basta escuse a violência de arrancar uma vida, por mais danosa que esta tenha sido? Ou afinal, a quem se dirige a justiça: ao Estado, à sociedade, à vítima ou ao culpado? E, sabendo que a punição serve para ressocializar e ainda dar exemplo à sociedade, seria conveniente atender o desejo da criminosa?

Através do curioso paradoxo vivido pela protagonista – pare e reflita: a proibição de tolher a própria liberdade não afrontaria o direito defendido originalmente? -, a competente atuação de Sophie Marceau, uma atriz de que não gosto, expõe a angústia de uma mulher que sofre há 10 anos as consequências da violência, reproduzidas ainda pelo desdém do filho, e ninguém duvida que ser presa não é a vontade mais bizarra para encerrar o ciclo vicioso de erros de sua vida.

Mas mesmo que aprecie a intenção, são indesculpáveis as más decisões da direção mexendo a câmera a esmo de cima para baixo, para os lados, circularmente, ou usando enquadramentos desajeitados e acadêmicos para distrair da teatralidade da narrativa. E qual o mal nisso, pergunto-me. Ao mesmo tempo, apesar de ser impactante a câmera subjetiva, pondo-nos no incômodo papel de vítima, o uso é exagerado e beira o maniqueísmo, um verdadeiro salvo-conduto à vingança, quando deveria incitar indagações morais.

Prenda-me não é bom, e apropriando-me das últimas palavras de Sophie Marceau, também não pode ser ignorado.

14) Adeus, minha Rainha (Les adieux à la reine, 2012). Direção de Benoît Jacquot. Roteiro de Benoît Jacquot e Giles Taurand baseado no livro de Chantal Thomas. Estrelando Léa Seydoux, Diane Kruger, Virginie Ledoyen, Noémie Lvovsky, Xavier Beauvois e Michel Robin.

Les adieux à la reine

Adeus, Minha Rainha tem méritos de sobra: apaga a má-impressão deixada pela rainha Maria Antonieta no enfadonho retrato de Sofia Coppola, desmistifica preconceitos de que produções de época devem ter um ritmo maçante, descasca a personalidade dos nobres e de seus servos e amas além das intrigas tipicamente sussurradas nos corredores do palácio e, acima de tudo, é um filme bastante acima da média e bem atuado.

Revisitando os primeiros dias da revolução francesa logo após a tomada da Bastilha, a narrativa de Benoît Jacquot, que co-roteiriza, abre as portas do palácio de Versalhes, onde a leitora da rainha Sidonie (Léa Seydoux), uma espectadora privilegiada dos turbulentos eventos, divide-se entre a lealdade inquebrantável à Maria Antonieta (Diane Kruger) e aos ciúmes silenciosos do relacionamento dela com a duquesa Gabrielle (Virginie Ledoyen). Sendo a visão de Sidonie a nossa, Jacquot é bastante feliz no emprego da câmera em mãos acompanhando-a pelos corredores, espreitando pelas cortinas e entreouvindo segredos, sem disfarçar a curiosidade, enquanto espera manter-se alheia a fatos que dizem respeito à nobreza.

A abordagem também é eficiente em conferir urgência à narrativa, já que a devotada Sidonie, e veja como ela sequer tem tempo para relacionar-se sexualmente como as demais amas, parece estar sempre com pressa, aflita e retesada. Neste ambiente indiscutivelmente tenso, eu quase superei a direção carregada de Jacquot (e eu acabei de elogiá-lo). Com a clara vontade de dar um ar cru e documental aos 4 dias retratados, o cineasta usa toda sorte de técnicas à disposição, como zooms deselegantes em ação, movimentos bruscos de câmera e closes apertados no rosto dos personagens, mas só consegue distrair daquilo que realmente está a um palmo diante de nós.

Falo das ótimas atuações do elenco, sem exceções. A começar por Diane Kruger, na árdua tarefa de humanizar Maria Antonieta, sem contudo despi-lá de seus traços marcantes, a prepotência, o narcisismo e a superficialidade. Já Virginie Ledoyen, à primeira vista mais um rosto bonito, facilmente justifica com muita doçura o fascínio que provoca na Rainha, ao mesmo tempo em que assume a antipatia naturalmente esperada de uma nobre. Por fim, Léa Seydoux, em um papel passivo e portanto ofuscável, destaca-se pela ambiguidade dos sentimentos retratados, e o fato de ser letrada é uma sádica ironia da vida, pois abriria a boca somente para sugerir livros e os ler para entretenimento passageiro.

Com um final anti-climático, Adeus, Minha Rainha é um filme de época maduro, complexo e intrigante para quem gosta de História e de uma boa história.

E você, qual foi o seu filme favorito do Festival Varilux 2013?


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